1 de jun. de 2010

Entrevista - Amor patológico: quando o amor se torna doença

Carência e cuidado excessivos são sinais de amor doentio

Filme  Crepúsculo
Imagem promocional de Crepúsculo (2008)

Para o filósofo grego Aristóteles, as paixões ou pathos são sentimentos que fazem variar os julgamentos das pessoas e que são seguidos de tristeza e prazer. A patologia é o estudo das doenças que causam sofrimento - pathos - ao homem de diversos modos. Um pouco distante do final feliz que muitos casais idealizam para seu relacionamento, paixão, doença e amor podem estar mais próximos do que se pensa. "Há pessoas com carências afetivas em várias áreas e que suprem tais carências com um cuidado excessivo no relacionamento amoroso", diz a psicóloga clínica Eglacy Sophia. Mestre em Ciências e também supervisora do Setor de Amor Patológico do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Amiti), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Eglacy avisa: "o amor patológico quando não tratado pode provocar até doenças crônicas no indivíduo".

Para a senhora, qual a definição psicológica do amor?
E:
Existem dezenas de definições de amor, desde o amor a Deus, a um ser superior, até um forte sentimento de afeição e vinculação entre duas pessoas que se relacionam amorosamente. É sobre esse segundo significado que meu estudo no Amiti está sendo pautado e que abordarei nessa entrevista.

O que caracteriza o amor patológico?
E:
Amor Patológico é o comportamento excessivo de prestar cuidados e atenção ao parceiro, de modo que o indivíduo abandona atividades e interesses anteriores ao relacionamento.

O amor patológico pode ser direcionado exclusivamente a um parceiro do indivíduo ou é um modo da pessoa de amar a todos?
E:
Existem pessoas com carências afetivas em várias áreas e que suprem tais carências com diversos comportamentos excessivos, como o uso de drogas, jogo patológico, compras compulsivas, etc. O amor patológico, no entanto, é uma conduta voltada para o relacionamento amoroso, ou seja, é um tipo de vinculação patológica exclusivamente com o parceiro.

"Amor patológico não é uma questão de quantidade de amor, mas sim de qualidade do vínculo amoroso"

Há indivíduos que ao invés de se preocuparem e cuidarem em excesso do parceiro acabam por idolatrá-lo e por ceder a todas às vontades do outro. Esse tipo de amor também é patológico?
E:
Sim. Esses exemplos de condutas costumam ocorrer com o indivíduo que apresenta amor patológico.

Como o indivíduo pode avaliar suas atitudes e descobrir que ama de modo doentio?
E:
Existem critérios para avaliação do amor patológico, os quais merecem uma auto-avaliação quando o indivíduo percebe que sua maneira de amar não está saudável. Caso o indivíduo apresente mais que três, deve procurar ajuda de um especialista. São eles:
· Sintomas de abstinência (como angústia, taquicardia e suor) na ausência ou no distanciamento (mesmo afetivo) do parceiro;
· O indivíduo se preocupa excessivamente com o parceiro;
· Atitudes para reduzir ou controlar o comportamento de cuidar do parceiro são mal-sucedidas;
· É despendido muito tempo para controlar as atividades do parceiro;
· Abandono de interesses e atividades antes valorizadas;
· O quadro é mantido, apesar da pessoa estar consciente dos problemas pessoais e familiares.

Filme Lua Nova Recorte do cartaz de Lua Nova (2009)

A questão do cuidado excessivo, por vezes, perpassa a idéia de ciúme. Qual a relação do ciúme com o amor patológico?
E:
O ciúme pode ser um dos sintomas da pessoa que apresenta amor patológico, por que ela apresenta carência afetiva e tem necessidade de ser a pessoa mais importante para o parceiro e que ele supra essa carência constantemente. Trata-se de um problema de vinculação a dois, portanto. O ciúme patológico, por sua vez, é outro diagnóstico, onde a pessoa não aguenta a entrada de um terceiro elemento (rival) na relação, de modo que a queixa está envolvendo sempre três pessoas.

É comum algumas pessoas dizerem "ele morreu de amor" ou "ela está doente de amor", por exemplo. É possível que alguém adoeça fisicamente por amor ou até mesmo morra de tristeza por amar a alguém?
E:
Sim. O amor patológico pode levar a sintomas físicos e, se não for tratado, esses sintomas podem levar ao comprometimento de um órgão e ao desenvolvimento de uma doença crônica, portanto.

"Quem se envolve em um relacionamento patológico costuma também não estar preparado emocionalmente para o amor"

Quando a pessoa se relaciona com alguém e percebe que é amada pelo outro de modo doentio, como ela deve agir para o bem-estar do outro e da relação?
E:
Deve conversar abertamente, clarear para a pessoa com problemas que essa não é uma maneira saudável de amar e propor uma nova maneira, de modo que ninguém abandone o seu próprio desenvolvimento e projetos individuais. Caso essa conversa não melhore o relacionamento em algumas semanas, ambos devem buscar um especialista para avaliação e tratamento. Provavelmente ambos precisarão de ajuda, pois quem se envolve em relacionamento patológico costuma também não estar preparado emocionalmente para romper esse modo de se relacionar e nem melhorar esse tipo de relação.

O comportamento do parceiro pode incentivar um amor patológico?
E:
Com certeza. O parceiro da pessoa que apresenta amor patológico costuma ser distante afetivamente e estar mais interessado em atividades fora do relacionamento. Muitos são dependentes de drogas ou excessivamente ligados no trabalho, por exemplo.

Para finalizar, como diferenciar o "amo muito" do ter um amor patológico?
E:
O amor patológico não é uma questão de quantidade de amor, mas sim de qualidade do vínculo amoroso. A pessoa presta cuidados em excesso ao parceiro não porque o ama muito, mas porque apresenta um profundo vazio emocional e "precisa" que o parceiro supra essa carência em todo momento. Quando isso não ocorre, entra em desespero. Ela se sente presa, não consegue melhorar, tem que demonstrar amar demais para receber o que lhe falta afetivamente.

Um vínculo prazeroso e saudável inclui cuidados com o outro, mas essa conduta está sob controle. A sensação é de se amar cada vez mais porque há espaço para o desenvolvimento pessoal e para vivências e experiências em comum, ou seja, ambos amam muito a si mesmos, estão inteiros e prontos para também amar o outro, sem precisarem abrir mão de si mesmos.

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